Assunto:
Tudo certo, o Bt controla!
Por
Felipe Takao
Data
quarta-feira, março 12, 2014
(*) por José Fernando Jurca Grigolli
Primeiro o algodão em 2005, depois o milho em 2007 e, por último, mas não menos importante, a soja em 2010 foram aprovados comercialmente no Brasil e chegaram ao mercado com a tecnologia Bt. Uma tecnologia de ponta, com desempenho fantástico no controle de diversas lagartas em diversas culturas.
Apesar disso, os problemas com as lagartas não acabaram como se esperava. Ainda hoje, faz-se necessário o uso de inseticidas para eliminar essas pragas dos cultivos e evitar que danos sejam causados nas lavouras. Mas por que ocorreu esse cenário? Por que uma biotecnologia passa a ser atacada após determinado período de seu uso?
As plantas Bt devem ser necessariamente tratadas como inseticidas. Apenas após o entendimento disso por todo o setor produtivo (empresas produtoras de semente, produtores rurais, revendas, profissionais envolvidos, e todas as pessoas ligadas ao agro) o seu uso será adequado. As plantas Bt representam UMA ferramenta de manejo de pragas, mas somente se a base, como o monitoramento, a identificação e a tomada de decisão sobre o controle com aplicação de inseticidas não forem deixadas para trás.
Simplesmente plantar uma tecnologia esperando que seja a solução para o controle de lagartas (ou qualquer outra praga) na agricultura é um engano. Isso ocorre porque estamos trabalhando com organismos vivos, que se adaptam, e que estão no planeta muito antes do que nós ou as plantas Bt. Dois pesquisadores, muitos anos atrás, descreveram o Equilíbrio de Hardy-Weinberg, que é usado como base para estudo de genética de populações no mundo. Este estudo é a chave para o uso adequado desta tecnologia (independente do gene, da marca e da empresa). Segundo os autores, quando se utiliza um determinado mecanismo de ação (no nosso caso, as plantas Bt) para o controle de uma população de pragas, passamos a selecionar indivíduos naturalmente resistentes.
Se não retirarmos esse mecanismo de ação, a freqüência de ocorrência de indivíduos resistentes irá aumentar até que a população não será mais prejudicada pelo mecanismo de ação utilizado (esses indivíduos naturalmente existem, mas em baixa freqüência, não é uma aberração ou algo do tipo, são insetos iguais aos outros de sua espécie e estão lá, no ambiente, mas com poucos “exemplares”). Essa teoria foi desenvolvida no início dos anos de 1900 (1908, para ser mais preciso) e o uso adequado da tecnologia Bt ou de inseticidas passa, necessariamente, pelo entendimento e aceitação desta teoria.
O manejo adequado de lagartas no milho Bt ou na soja Bt ou em qualquer sistema de cultivo passa, necessariamente, por monitoramento, rotação de ingredientes ativos (no nosso exemplo, rotação de biotecnologias, como materiais com genes cry, materiais com gene vip e materiais convencionais), boas práticas agrícolas (como a nutrição, a época de plantio e o espaçamento entre plantas) e refúgio. Se considerarmos a planta Bt como inseticida, fica evidente que devemos rotacionar o ingrediente ativo, ou seja, a biotecnologia. Para isso, podemos cultivar um ano a tecnologia Cry, um ano a tecnologia VIP e um ano a tecnologia convencional (sem aplicação de produtos a base de Bt).
Com todos esses conceitos entendidos, ainda assim, aparecem algumas situações um tanto quanto inusitadas. Certo dia recebi um e-mail contestando o refúgio, dizendo que sua utilização era desnecessária em função de um trabalho publicado (link para o trabalho éhttps://uspdigital.usp.br/siicusp/cdOnlineTrabalhoVisualizarResumo?numeroInscricaoTrabalho=1659&numeroEdicao=20). O referido trabalho dizia que Spodopteraevoluiria para uma população resistente em apenas um ano, mesmo com o uso do refúgio.
Analisando as informações do trabalho referido, fica evidente que o mesmo se trata apenas de um estudo genético, que determinou a herança da resistência de Spodoptera à proteína Cry, ou seja, como os “pais” resistentes transmitiriam essas características aos seus “filhos”. O trabalho em nenhum momento relaciona os fatos observados com área de refúgio. A área de refúgio realizada de forma adequada é essencial para o manejo da resistência de lagartas às plantas Bt. Esse fato é comprovado por uma infinidade de trabalhos científicos. Entretanto, deve ser aliada a outras estratégias, como as citadas anteriormente neste texto, como rotação da tecnologia, amostragem e até mesmo o uso de inseticidas. Vale lembrar, que uma única estratégia não funciona para controlar qualquer espécie de praga em qualquer sistema de cultivo.
Mas, apesar de todas as considerações, não vamos acreditar em milhares de trabalhos e projetos de pesquisa extensos e exaustivamente conduzidos no mundo todo? Não vamos acreditar no volume de recurso que diversos países alocaram com essas pesquisas e nos seus resultados gerados? Vamos apenas plantar as plantas Bt em área total, pois é mais rápido e mais fácil? Afinal de contas, será que está tudo certo e o Bt controla?
* José Fernando Jurca Grigolli é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV, 2009), mestre em agronomia - produção vegetal - pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP, 2012) o doutor em andamento em agronomia (entomologia agrícola) também pela UNESP. NaFundação MS, ocupa o cargo de pesquisador de fitossanidade.
fonte: http://ruralcentro.uol.com.br/analises/tudo-certo-o-bt-controla-4456?event=destaque#y=228
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